segunda-feira, 5 de março de 2007

Marinheiros à deriva e ovos estrelados

É sobejamente conhecida em Portugal a perfeita ignorância e/ou falta de talento dos espanhóis para as línguas - com salvaguarda das merecidas excepções, porque também as há – mas nem assim consigo deixar de me surpreender com isso.

No sábado de manhãzinha cedo, vi-me na inevitável contingência de ter que «levantar o cu da cama», com o perdão pela palavra, para ir ao banco resolver uns problemazitos que não podiam esperar. Como os nossos estimados vizinhos espanhóis só sabem funcionar das 8 ou 9h da manhã às 14h non-stop e esse é, também, o meu horário, não me restava nenhuma margem de manobra, de forma que tive de sacrificar a minha manhã de sorna ( que seria bem merecida, diga-se de passagem...).

Pois bem, lá estava eu no banco, tratando daquelas coisas que ninguém gosta de tratar, quando me entram pelo edifício três jovens muito loiros, muito pálidos, ainda cheirando a cueiros e com olhos azuis interrogativos, pedindo que se lhes fizesse o cambio de dinheiro russo para euros. EM INGLÊS, naturalmente... A princípio, não liguei nenhuma, mas depois fui-me apercebendo do alarido que se fazia do outro lado do balcão. Os três pobres coitados já estavam a dar meia volta, quando lhes digo: «I speak English. Can I help you?!». Calou-se toda a gente e eu senti o sangue aflorar-me ao rosto. Não coro facilmente, mas custou-me ser o centro das atenções naquele instante. É verdade que não sou nenhuma perita em inglês, mas consigo desenrascar-me bem. Haviam de ter visto a cara que eles puseram, quando olharam para mim. Um avançou na minha direcção e explicou-me o que se passava e eu lá traduzi para o homem do banco. Para trocarem o dinheiro, tinham de ir a outro banco, que ficava na rua tal e qual. Infelizmente, eu não sabia onde era. Disse-lhes que me dessem um segundo, que eu ía apontar-lhes o nome da rua num papel, para que eles voltassem a perguntar na rua, ao seguirem um par de instruções básicas. Não sei se viram o demónio ou algo parecido nos meus cabelos escuros e nos meus olhos quase negros, tão diferentes do seu fenotipo, mas, definitivamente, algo os assustou, pois não esperaram e saíram porta fora, deixando-me com cara de parva. Ainda tive tempo para lhes perguntar se tinham entendido o que eu lhes dissera e responderam-me que sim, enquanto continuaram na direcção da porta, perante o meu olhar estupefacto. Desconheço o motivo da fuga...

Virei-me para o homem do banco que estava a atender-me e disse-lhe que aquela estranha atitude deveria servir-me de lição, para não voltar a meter-me onde não sou chamada, mas que, desgraçadamente, não suporto ver gente com problemas e não mover uma palha, quando sei que poso ajudar. Em particular neste estilo de situações, pois já soube o que era querer comunicar-me e não conseguir fazer-me entender. Perguntou-me o homem: «Estavas a falar com eles em inglês?». Nesse instante, o sangue fugiu-me todo para um qualquer recanto desconhecido do meu corpo, pois estive quase a pedir uma cadeira para me sentar. O quê?! A ignorância é assim tão grande??!! Estarei a ser demasiado exigente?

Os russos eram putos que não deviam andar longe dos 18 anos, se é que os tinham. Eram marinheiros, a sua fatiota não enganava, mas andavam completamente à deriva nesta terra de boa gente. Imagino que tudo lhe soasse estranhíssimo, quase exótico. E fiquei com pena deles. Mal sabem o que os espera!

Depois de tudo isto, saí do banco a pensar no meu avô, que sempre dizia: «O saber não ocupa lugar!». Sempre gostei de línguas e quero aprender o mais que puder. Poucas coisas dão tanto prazer como chegar a um sítio totalmente desconhecido e diferente do que estamos habituados e sermos capazes de nos fazermos entender.

E como os pensamentos também são como as cerejas, montada na minha bicicleta de adolescente e ziguezagueando por entre o mar de gente que enchia a zona do mercado, acabei por me rir que nem uma perdida, quando me lembrei de uma velha história de família. Ora topem só!

Em Agosto de 1989, ainda existia uma coisa chamada Checoeslováquia, cuja capital era a magnífica Praga. Naqueles tempos, os habitantes da belíssima cidade só falavam 3 línguas: croata, russo e uma outra que não me recordo, devido à mentalidade do regime político que imperava naqueles tempos. Durante toda a estadia, não me lembro de ter encontrado uma pessoa que falasse o inglês fluentemente. A nossa safa, minha e dos meus pais, foi termos dado com um português na rua, que vivia por lá e que se condoeu de nós e nos deu um dicionário, com o qual pudemos circular sem demasiados problemas. Um dia, num restaurante, a minha mãe decidiu pedir um ovo estrelado a acompanhar o prato que tinhamos estado a pedir a todas as refeições, por falta de melhor oferta. A minha mãe não é uma poliglota de verdade, mas fala francês, inglês e espanhol (para além do português, é claro) e arranha umas quantas coisas em italiano e alemão. Agora, como ela diz, já não se lembra de quase nada, mas as muitas viagens que fez na sua juventude, aliadas à sua curiosidade natural, fizeram o trabalho de casa. Pediu o bendito ovo em todas estas línguas que sabia e, desesperada, aceitou a sugestão do meu pai para desenhar o ovo. Fez um inteiro e outro estrelado, mesmo ao lado. A empregada continuava a abanar-lhe a cabeça. Então, furiosa, a minha criativa mãe dobra os cotovelos e começa a levantar os braços, para cima e para baixo, à guisa de asas, ao mesmo tempo que cacareja como uma galinha. No restaurante, todos se calam e começam a olhar para ela, enquanto eu e o meu pai damos pulos na cadeira de tanto rir e não conseguir parar. Envergonhada, corada e sorrindo, a empregada diz-lhe que sim, por fim. Para infelicidade da minha mãe, trouxe-lhe um ovo, sim, mas não estrelado...

6 comentários:

Anónimo disse...

Concordo em que na Espanha falamos muito mal outras linguas ( e tambem falmos mal o espanhol),
Mas eu penso que em os lugares de Espanha onde falamos duas linguas (Galiza, Catalunya e Euskadi) a situaçao é algo melhor
Posso saber onde é que moras na Espanha?
Saudaçoes

rainbow_dreams_girl disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
rainbow_dreams_girl disse...

Olá, Sobchak! Estou a viver em Cádiz, mas espero ir embora em breve (näo porque tenha alguma coisa contra a cidade, mas porque estou a terminar o que aqui me trouxe). E tu, onde vives? Suponho que sejas espanhol... Onde aprendeste a falar português? Agradeço a tua intervençäo. Saudaçöes!

Anónimo disse...

Obrigado pela resposta.
Eu som da Galiza (que fica justo em cima de Portugal)Moro Em Santiago de Compostela (que esta muito mais frio que Cadiz!!)
Na Galiza muita gente fala galego que é muito semelhante ao portugues. (a dia de hoje hai um forte debate sobre se ao escrever galego tem de fazer-se com o padrao lusista ou o padrao espanhol)
Gostei do teu blogue.
Saudaçoes

rainbow_dreams_girl disse...

Agradeço-te eu pela tua intervençäo! O objectivo é dialogar e näo fazer monólogos. Espero que continues a participar.

Unknown disse...

Bem.. pelo menos descubrimos aqui que a tua loucura é genética e não fruto de uma qq radiaçao estranha de qd visitast os paises de leste...

Mas fizest lembrar um problema colocado pelo Daniel Dennet sobre a linguagem, usando um coelho e uns indigenas.
É só para deixar a curiosidade.. masi logo conto-te.

Beijao